Autenticar
Main menu

A AEG utiliza cookies para o melhor funcionamento do portal.

O uso deste site implica a aceitaçom do uso das ditas cookies. Podes obter mais informaçom aqui

Aceitar
Como matar índios com giz e apagador

Como matar índios com giz e apagador

Interessante texto sobre a realidade das línguas indígenas no Brasil.

José Ribamar Bessa Freire

Por que hoje é tão alto o índice de suicídio entre os índios que originalmente desconheciam tal prática? Segundo o estudioso da língua Tukano, padre Casimiro Béksta, aqui citado na semana passada, não existe sequer tradução para tal palavra na maioria das línguas indígenas. Os pesquisadores que estudaram o suicídio de índios citam diversas causas relacionadas à terra, religião, economia, políticas de saúde e de educação, entre outras. Destacamos aqui uma delas vinculada às línguas e a seu uso na escola.

São faladas 23 línguas em São Gabriel da Cachoeira, no Rio Negro (AM), que, entre os mais de cinco mil municípios brasileiros, lidera o ranking de suicídios de índios no Brasil (Mapa da Violência - Diário do Amazonas, 9/10/2014). A taxa de suicídios lá é dez vezes maior do que a média nacional. Entre 2008 e 2012, foram 50 casos por 100 mil habitantes, enquanto a média brasileira é de 5,3 suicídios. Entre os suicidas de São Gabriel, 93% são índios que se enforcaram ou se envenenaram com timbó.

- O que está acontecendo é um extermínio - afirmou o médico Carlos Felipe D´Oliveira, da Rede Brasileira de Prevenção ao Suicídio. Em janeiro deste ano, essas mortes, assim como as ocorridas em municípios de Mato Grosso do Sul, foram discutidas em Brasília no Fórum Brasileiro sobre Suicídio, que encaminhou minuta ao Congresso Nacional pedindo ações de prevenção e criação de políticas públicas para reduzir a incidência de suicídios. A proposta certamente ficará engavetada pelo deputado Eduardo Cunha (vixe, vixe), se ninguém ficar mordendo seu calcanhar ou se ele não cair antes derrubado pelas acusações de corrupção.

A "souffrance"

Entre as políticas públicas, estão as políticas de línguas. O tratamento que a sociedade dispensa às línguas interfere no índice de suicídio, se for correta a hipótese do linguista e antropólogo belga André-Marcel d´Ans (1938-2008). Ex-professor da Universidade de Paris VII, ele estudou os mitos dos índios Kaxinawá da Amazônia peruana, onde viveu por mais de seis anos. No seu artigo "Linguagem e Patologia Social", usa a categoria "souffrance" para explicar o sofrimento e o desespero provocados pelas tensões e conflitos linguísticos, que podem provocar o suicídio.

taxA "souffrance" - diz ele - é um tipo de sofrimento patológico, que não é resultado de nenhuma anomalia individual, mas provém de uma alteração funcional da situação linguística. Ela se dá quando se obriga alguém a usar uma língua que não é sua língua materna, num contexto de discriminação e preconceito. Cita o caso de um Yaminawa que havia sido alfabetizado, na marra, por missionários católicos, e contraiu a "souffrance".

Segundo D´Ans, essas anomalias atingem tanto o corpo como o psiquismo, originadas pelas tensões e conflitos que provocam os impasses linguísticos, “gerando um desespero que pode chegar, nos casos mais graves, a condutas violentas e/ou suicidárias”. Ele estabelece assim uma relação entre o uso da língua materna e o psiquismo dos indivíduos. Para não morrer de fome, não basta um pedaço de pão, é preciso assegurar o direito de cada um ter o pão em sua língua materna, como no poema de Vallejo escrito quando vivia na França.

Uma visão histórica sobre as políticas de línguas na região e seu uso na escola nos dão uma dimensão do estrago, conforme revelam os relatórios do poeta Gonçalves Dias que foi nomeado pelo presidente da Província do Amazonas, em 1861, para o cargo de visitador das escolas públicas de primeiras letras. Ele viajou pelos rios Solimões e Negro, visitou escolas e fez uma etnografia da sala de aula. Conversou com professores, folheou cadernos de alunos, assistiu aulas, elaborou um censo escolar, observou o calendário, currículo, livros didáticos, tudo.

O Apagamento

Uma conclusão de Gonçalves Dias é que a escola não funcionava no Amazonas, porque as aulas eram dada em português, mas a maioria da população desconhecia esta língua e falava, além de um idioma indígena, a Língua Geral ou Nheengatu. Mesmo assim, o poeta recomenda ao Presidente da Província que mantenha o português, pois “a vantagem da frequência das escolas estaria principalmente em se desabituarem da Língua Geral, que falam sempre em casa e nas ruas, e em toda parte”. Quer dizer, uma das funções da escola era mesmo apagar essas línguas consideradas "bárbaras, pobres e sujas".

Desta forma, os alunos continuariam excluídos do conhecimento escolar, mas para o poeta avaliador das escolas. mais importante do que o conteúdo das disciplinas era impedir o uso das línguas indígenas e impor o português:

"No falar a língua portuguesa já vai uma grande vantagem, e tal que, quando mesmo os meninos não fossem à escola para outra coisa, ainda assim conviria na atualidade e ficaria ainda sendo conveniente por bastante tempo, que o governo com esse fim criasse e sustentasse as escolas primárias do Solimões”.

Não dispomos de dados precisos sobre os suicídios de indígenas no Amazonas no séc. XIX. No entanto, depois de 1950, tanto no Solimões quanto no Negro, existem registros nos jornais e nos boletins policiais, evidenciando como se pode matar índio com giz e apagador. Tais dados podem ser correlacionados com as avaliações dos internatos criados pelos salesianos na região, cujo objetivo era, como o proposto por Gonçalves Dias, apagar as línguas indígenas em nome de uma "unidade nacional".

No entanto, não são apenas as escolas onde estudam os índios as criadoras de "souffrance". Houve um avanço e hoje já existem escolas bilingues que procuram valorizar as línguas indígenas como línguas de instrução nas primeiras séries. Mas isto de nada serve se esses índios, quando entram em contato com a sociedade nacional, sofrem discriminação de brasileiros preconceituosos, que frequentaram escolas onde não aprenderam a respeitar as línguas e culturas indígenas.

Por isso, o XXVIII Simpósio Nacional de História realizado nesta semana em Florianópolis aprovou em sessão plenária a moção encaminhada ao Conselho Nacional de Educação, solicitando regulamentação da Lei 11.645/2008, que determinou a inclusão do Ensino de História e Cultura Indígena na Educação Básica. Os profissionais da área estão exigindo a formulação de orientações e diretrizes pedagógicas, bem como a criação de disciplinas nos cursos universitários de História e Pedagogia que formem e atualizem os professores para implementar a lei.

Enquanto isso não for feito, o problema tende a se agravar. A imagem mais acabada da "souffrance" é a notícia "Dois ticunas se suicidam" publicada no Jornal do Brasil (19/08/1991). Um deles, Artur Gabriel, 32 anos, tio do vice-capitão da Comunidade de Umariaçu, Waldir Mendes, se enforcou cantando. Em língua ticuna, segundo seu sobrinho:
"Na manhã do dia 6 de agosto, depois de passar a noite inteira entoando canções indígenas, com uma garrafa de cachaça ao lado, Gabriel apareceu enforcado no fundo do quintal, pendurado a uma árvore".

Fonte: Taqui Pra Ti.

Última modificação emTerça, 23 Fevereiro 2016 23:41
Avalie este item
(0 votos)

2905 comentários

  • https://thegoneapp.com/shopware-migration-a-comprehensive-guide/
  • Furnace Inspection new jersey
  • https://alfa-strippers.space/
  • coinbase account Blue Badge

    Investing in digital currency requires a secure and trustworthy platform.

    One such platform that has earned global recognition is Coinbase.
    Purchasing a verified Coinbase account gives you access to a
    host of features. It ensures enhanced security as it includes two-step verification, biometric fingerprint logins and insurance
    protection on digital funds. Furthermore, it allows
    you to trade in over 50 cryptocurrencies, including Bitcoin, Ethereum, and Litecoin. With a user-friendly interface and 24/7 customer support,
    it simplifies cryptocurrency trading for both beginners and experts.

    Buying a verified Coinbase account helps streamline
    your cryptocurrency investments and guarantees an enriched trading experience.

  • verified account online store coinbase

    Are you interested in cryptocurrency trading? Then, owning a verified Coinbase account is crucial.

    Acquiring this account enables transactions for cryptocurrencies like Bitcoin, Ethereum, etc.
    It is essential to buy a verified account because it ensures your transactions are safe, secure, and swift.
    The verification process involves identity confirmation, adding credibility to your account.
    Besides, having a verified account opens up limitless trading possibilities, granting you
    access to all features provided by the platform. Buy a verified Coinbase account and step
    into a world of seamless crypto trading.
    Acquiring one is quick and straightforward,
    making it user-friendly, even for beginners. So, why wait?
    Unleash the trading opportunities by buying a verified Coinbase account today.

  • find verified coinbase account for sale

    Purchasing a verified Coinbase account can provide several benefits for cryptocurrency enthusiasts.
    The process allows immediate access to trading, purchasing and selling diverse cryptocurrencies including Bitcoin, Ethereum,
    and more. It can streamline your digital currency experience, eliminating the
    sometimes cumbersome startup procedures associated with crypto investments.
    However, keep in mind, buying someone else's account carries potential legal and security risks.
    Always prioritize safety online and follow legal procedures.

    Ensure complete account details transition for smooth operations.

    Invest responsibly and carefully.

  • https://naijacontacts.com/topics/view/94569
  • certified coinbase accounts for sale

    Buying a verified Coinbase account is a solid investment for those interested in trading and
    investing in cryptocurrencies. Coinbase, as one of the largest cryptocurrency exchanges globally, offers a secure environment to trade and
    store digital assets. Owning a verified account increases the level of
    trust and credibility while enhancing overall user experience.
    With a verified account, users can take advantage of high
    limits and advanced features, and additionally it safeguards against fraud.
    However, ensure it is legal in your respective country before
    purchasing a verified Coinbase account.

  • easiest way to buy verified coinbase account

    Getting a verified Coinbase account can provide several advantages
    for crypto-traders and enthusiasts. Coinbase, one of the platform leaders in cryptocurrency trading, offers a seamless,
    secure, and efficient platform for buying, selling, and managing your digital currency.
    By buying a verified Coinbase account, you're
    allowed to make instant transactions and have access to higher buying limits.
    Additionally, it provides enhanced security measures to protect your crypto-assets.
    The verification process includes ID verification, proving that
    you're above the legal age and that you reside in a country where Coinbase operates.
    It's a credible way to safely invest and trade in cryptocurrencies.

  • Proven Binance account for sale

    Purchasing a verified Binance account has been a trending requirement among cryptocurrency enthusiasts.
    The central purpose is to bypass the often time-consuming and tricky verification process and dive straight into trading.
    This trend, however, raises questions related to legality and safety.
    Buying a pre-verified account may sound practical and efficient, but it is strongly discouraged by Binance themselves due to potential security risks and violation of terms
    of service. Therefore, it's advisable to register for a new Binance account and complete the verification process
    independently to ensure secure trading.

Deixe um comentário

Certifique-se de preencher os campos indicados com (*). Não é permitido código HTML.

voltar ao topo

Facebook Twitter RSS Global