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Inércia cultural culpável

Inércia cultural culpável

Joám Lopes Facal

A consciência social galega brigou desde meados do XIX contra a pressom assimilista exercitada polos órgaos homogeneizadores do Estado: o ensino das letras, o púlpito, as relaçons económicas e administrativas. O castelhano foi-se apoderando da totalidade dos ámbitos autóctones de socializaçom até alcançar o miolo: a aldeia e a família.

Ser alguém na Galiza, ser socialmente reconhecido, requereu sempre abjurar do próprio, adoptar os disfarces do poder, apreender a falar “como era devido”. Estranha déveda esta. Sabia-o bem Rosalia quando ousou versificar em língua rústica e maltratada, e o sabia também Murguia, empenhado em defender a cultura galega em língua heterogênea.

A raiz cultural do nosso primeiro renascimento literário foi campesina, carente de dignidade cortesã, perdida havia tempo em velhos pergaminhos olvidados. Os precursores desconheciam os gloriosos primórdios do sermo rusticus sobre o que operavam. Nom foi até 1886 quando apareceu o cancioneiro de Ajuda numhas obras na biblioteca do palácio lisboeta e a sua publicaçom por Carolina Michaëlis de Vasconcellos demorou ainda até 1904. O pergaminho Vindel das cantigas de Martín Codax nom foi descoberto até 1914, quando a Gram Guerra inaugurava o século XX. O imortal Murguia – noventa anos: 1833-1923 ‑ chegou a conhecer os textos medievais e mesmo a Crónica Troiana mas, o anciao celtista, nom teria já talvez fôlegos para levantar com tam excelente material um monumento mais para o enaltecimento da Galiza.

Lenta e tardia foi a recepçom de informaçom tam essencial para dignificar a menosprezada fala das aldeias. Faltou-nos na altura o orgulhoso revivalismo medievalista que tanto contribuiu a inchar as velas do orgulho nacional catalám. A nobreza da estirpe descoberta apenas deu para alimentar umha fugaz onda poética. Em 1926 viam a luz as "Lelias ao teu ouvido" de Bouza Brey, a maneira de frustrado prólogo a um neotrovadorismo impossível quando o galego ensaiava já poemas vanguardistas da mão de Manuel António (1900 – 1930).

A única dignidade que afinal soubemos proclamar foi o “nobre ruralismo de Galiza frente à atrasada urbanidade de Castela” do “Sempre em Galiza”. Precária homenagem à dignidade nacional em meio de umha sociedade que fugia da aldeia.

A identidade espanhola acabou por obnubilar toda possibilidade de pensar Galiza desde a Galiza e projectar a sua recuperaçom como naçom diferenciada por história e língua. Foi esta a árdua tarefa acometida polo Partido Galeguista nos seus escassos quatro anos de vida, antes de cair esmagado pola bota militar. O franquismo interminável abafou todo projecto de regeneraçom cultural e política e a geraçom de nascidos no pós-guerra acabamos enredados no labirinto das ideologias dos anos trinta por causa da orfandade política imperante. Afinal, a Galiza ficou reduzida a “regiom do noroeste” em espera de umha oportunidade histórica que nunca deu chegado.

Os superviventes da guerra agrupados em volta da Editorial Galáxia decidírom refugiar-se nos limites do possível enquanto a sociedade empreendia um processo de mudança social acelerada. O regionalismo provinciano de voo curto converteu-se em horizonte político único e insuperável. A Galiza perdera a dimensom nacional e deixou de ensaiar a internacional. O idioma dos galegos foi encomendado a departamentos universitários educados no desdém pola cultura que assomava cá perto, em Tui por sinal. Surpreende a pertinácia da atitude negacionista e provinciana, impregnada de preguiça cultural e finalmente instalada num confortável corporativismo. A morna autonomia sobrevinda serviu de teito político insuperável e absolutório.

Os exemplos de inércia preguiceira ante o idioma esmorecido aí estám para quem os queira ver. Em 1916 nasciam as “(H)irmandades da Fala”, em 1981 o “Blo(qu)co Nacionalista Galego”, em finais de 2015 “Em Maré(a)”. Três denominaçons marcadas pola subordinaçom inconsciente ao imperativo do idioma dominante: a Espanha como casa comum, Portugal como estrangeiro próximo, o galego como variante doméstica das falas hispánicas. Afinal todo encaixava.

Podemos desculpar certamente os animosos promotores das Irmandades por carência de informaçom quando o próprio Martim Codax apenas anunciara visita; apesar do facto de o substantivo yrmãdade ser de curso corrente desde a baixa Idade Média. Mas, que dizer da flagrante preguiça manifesta no rechaço do galicismo bloco, habitual em Portugal desde a segunda metade do XIX? E quê dizer da incompetência denominativa de baptizar “En Marea” um movimento de pretensa regeneraçom política e cultural com menosprezo do venerável galicismo “Maré”, naturalizado em Portugal desde o século XV? Por nom falar dos jubilosos Cantos da Maré que soam na Galiza desde 2007. Provas inequívocas de desleixo todas por tam inoportunas velharias.

Desleixo é a atitude com que respondemos a todo o irrelevante: o decoro da língua dos galegos, por exemplo. A dimensom internacional do nosso idioma é o mais potente instrumento de afirmaçom nacional com que a Galiza conta porque fica fora do alcance de qualquer manobra assimilista. A razom de ter valorizado esta qualidade nom pode ser outra de que a dimensom internacional do nosso idioma é alheia ao mapa cognitivo que nos foi incutido geraçom trás geraçom até nos converter em bons espanhóis do noroeste, gente fiável mesmo.

A língua dos panfletos, dos vozeiros e os órgaos teóricos, ficam instalados sem remorso aparente nos moldes ortográficos e morfossintácticos consagrados polos departamentos universitários de “hispánicas”. Afinal, filhos todos de Menéndez Pidal que nom de Carolina Michaëlis ou de Lindley Cintra.

Mas como na aldeia de Astérix, sempre ficam valorosos gauleses prestes à resistência. Olhem senom a emergência em blogues, diários digitais e poemas de escrita galega reintegrada, fiel à raiz etimológica e à dimensom internacional. É um movimento é transversal e expansivo, alheio à pratica da escrita institucional bem temperada. Bom sinal. Terá passado desapercebido porventura aos esforçados promotores da mudança política – um Rodríguez, um Beiras – e aos combativos académicos da língua que nos identifica, um Ferrim, um Alonso Montero?

Todo no país todo está mudando: estratégias políticas e valores consagrados, mapas eleitorais e ortografias. Será por acaso um episódio de efervescência transitória? Talvez, mas, por quê nom um sintoma, um prenúncio, umha promessa?

Fevereiro de 2016

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