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Aos/Às companheir@s das duas beiras

Aos/Às companheir@s das duas beiras

Joám Lopes Facal

Permitam @s companheir@s da AGAL que lhes dê notícia da Associaçom de Estudos Galegos, apresentada em sociedade na Igreja memorial da Sam Domingos no sábado dezasseis de janeiro de 2016; ano do centenário da fundaçom das Irmandades da Fala.

O acto foi breve como corresponde ao simples anúncio de compromisso de pôr em andamento um projecto recém-nascido que nos convocava. Assi e todo, quigemos dignificá-lo enquadrando-o no esplendor do templo cívico compostelano e acompanhando-o com o vetusto som de veludo da sanfonha, a maneira convidado preferente. Oficiou de testemunha o pensativo moucho galego que preside o templo desde o alto de um capitel na capela absidal direita e de ícone o sugestivo desenho de lauda sepulcral de dupla estola inventado por Paulo Rico.

Afinal, é exacto ou pretensioso esse “E” que anuncia estudo e preside a sigla tríplice da Associaçom? O signo foi objecto de amistosa diatribe entre os promotores e finalmente aceite. Talvez como prenúncio do necessário labor de escritório que é preciso para zelar a norma própria do galego que a Associaçom assume como tarefa primordial. Para os que detectamos um certo saibo solene na sigla, fica sempre a coarctada da sábia máxima de Tácito nos Annais: “Sine ira et studio”, quer dizer, com equanimidade. Equanimidade que nom é fraqueza nem pusilanimidade senóm convencimento tranquilo.

Das origens da Associaçom pouco há a referir a nom ser o propósito partilhado de evitar reproches e exibiçons de estatutos de limpeza de sangue ante parentes e próximos. A tribuna que se pretende levantar tem feitio comunal, mais aberto à ágora do que a cenáculos. Ninguém pretende leccionar ninguém na esforçada tarefa de revitalizar o idioma de todos. Confessamos si a nosso propósito primordial de cultivar a sólida construçom que já é o padrom nacional do idioma. Padrom que interpela implicitamente tanto à norma institucionalizada do ILG-RAG como as de pendor lusitanista que vigoram na AGAL e florescem na AGLP. Nascemos sem inimigos mas nom sem instrumental. Pretendemos interagir lealmente com os que laboram polo idioma, quer sejam os que descansam com indolência no espanhol ou os que fogem a passo vivo cara o português. Saudaçons a todos.

É inevitável afrontar o dissabor de umha separaçom ou simples dissenso na morada comum da AGAL, que segue sendo casa própria para mim. No último artigo que eu publicava no Portal considerei oportuno lembrar à convincente taxonomia de Otto-Albert Hirschman das possíveis respostas ante qualquer desavença: alçar a voz, inibir-se na lealdade, abandonar. Afinal quero crer numha quarta possibilidade nom sempre fácil: conjugar lealdades sem renunciar à mais íntima.

Afinal, acabou nascendo um inesperado renovo. Os aficionados a contemplar árvores conhecem bem a tendência destes a produzir renovos adventícios quando som submetidos a condiçons de stress, quer seja por motivo ambiental ou traumático. É umha simples resposta vital resolvida em forma positiva de rebento que, com muita frequência, replica simplesmente o porta-enxerto da estirpe original ‑ o humilde estripo como ainda dizemos em galego ‑ sobre o qual prospera o enxerto fruteiro que véu substitui-la. O estripo abafado pola a viçosa fruteira que em ele medra.

Todos temos umha opiniom sobre as circunstáncias que concorrérom na emergência do novo rebento mas nom é bom misturá-las com consideraçons de índole moral como a lealdade. No meu caso, contabilizo umha idade mais propícia a preservar lealdades do que para inventar outras novas mas, talvez deva confessar que, nom obstante, desfruto de umha certa reserva de disponibilidade para empreender aventuras que mereçam a pena. Será genético ou sei eu lá.

A nova lealdade à AEG nom deixa de ser para mim algo assi como umha confirmaçom pública de umha paixom veterana polo “galego ele mesmo”, essa língua resistente, tam orfa de tutelas eficientes como sobrada de retóricas declaraçons de amor. Confesso o meu gosto por vadiar polo dicionário Houaiss em procura da pegada histórica das palavras. Confirmo a minha decidida preferência polo arcaísmo constitutivo do galego; esses “si”, “assi”, “fondo”, “crego”, “coraçom” que já fôrom português e som autêntico galego. Neles espelha o meu idioma nativo, o da feira e o adro, o mesmo que serve para denominar duira ‑ por quanto tempo ainda? ‑ na minha comarca de origem os impetuosos torrentes de princípio de inverno que baixam monte abaixo e entulham as agueiras que abrem passo à agra. Duira, ou doira, um arcaísmo ancestral que ainda nomeia o rio do Porto. Precisamos com urgência de neologismos, é verdade, mas para isso já temos o português que nos aforra de termos que pedir assistência ao laboratório de próteses linguísticas transitórias, aptas apenas para telediários oficiais e discursos de políticos fugazes. O português? Si, si, o português; o meu outro idioma, junto com o castelhano, ao qual dediquei cinco gozosos anos de estudo com a Beatriz e o Eduardo.

Vem a conto a parábola da árvore traumatizada e do estripo renascente. Poderíamos ainda folgar um bocado com outra nom menos evocadora: a das linhas paralelas que afinal se encontram. Um exemplo? Dous meridianos terrestres quaisquer. Se um fisterrám e um montanhês do Cebreiro empreendem viagem em paralelo, em direcçom norte, seguindo a estrela polar, acabarám encontrando-se afinal no mesmo e gélido ponto. A explicaçom do facto é de índole topológica, remete para a estrutura do espaço de referência, neste caso esférico. A compreensom da geometria das paralelas que confluem desafia a estreita percepçom local em que estamos confinados mas nom resiste o atento exercício da liberdade matemática. Foi assi como nascérom às geometrias nom euclidianas: Lobachesvski, Bolyai, Gauss, Riemman. Os caminhos confluentes do fisterrám e do cebreirao cruzam-se menos do que os caminhos inevitavelmente enredados de todos os reintegracionismo que no mundo há. A propósito, o reintegracionismo e umha doença particular do galego que o português desconhece.

A surpresa matemática, como a física, é sempre transitória e termina por ampliar a nossa visom do número e da geometria. Aconteceu em tempos com o escándalo pola índole “irracional” da diagonal do quadrado e pola soluçom “imaginária” de equaçom tam elementar como x2+1 = 0. Afinal todo se resolveu em ampliaçom da nossa capacidade de compreensom.

O assombro inicial é inevitável, aí temos as cogitaçons do nosso bom Félix Muriel, o Rafael Dieste, no seu “Testamento geométrico” (1975), acerca do quinto postulado de Euclides, esse legisla sobre rectas paralelas e triângulos muito estirados e bicudos. A surpresa inicial, “isto nom tem sentido”, acaba derivando em compreensom de ordem superior. O renovo que responde ao trauma, as paralelas que acabam encontrando-se som episódios da resistência a questionar o consabido e saudar o inesperado.

O nascimento da AEG foi recebido com cortesia por uns e com contrariedade por outros. Agradeço a cercania dos primeiros e compreendo a atitude dos segundos. O refúgio na sensaçom de superioridade ou na consoladora nostalgia do tempo “em que eu era feliz e ninguém estava morto” do maravilhoso verso de Pessoa em “Aniversário”, som reacçons protectoras ante o desafio inesperado. Mas o único desafio preocupante é o da indiferencia, nunca o do compromisso.

A AEG, nostalgia inútil? Seródio relato de origem? Ou será prenúncio talvez de um renascimento da batalha cultural adiada, autêntico manancial da afirmaçom nacional da Galiza como foi há cem anos?

“Bom ou mau, quem sabe”? Leccionava o mestre zen na encantadora fábula que parece roubada de boca de um sábio patrúcio galego. Desvio desnorteado ou renovo fecundo? Quem sabe!

Inicialmente publicado no Portal Galego da Língua.

Última modificação emSábado, 23 Janeiro 2016 12:32
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