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Os gastrópodes marinhos deflagradores de incêndios da rádio e televisom galegas

Os gastrópodes marinhos deflagradores de incêndios da rádio e televisom galegas

Carlos Garrido

Ao ouvirmos os locutores da Rádio Galega e da Televisom da Galiza referir-se à última e pavorosa vaga de incêndios florestais e, em geral, desde há anos, a qualquer lume, fogo ou incêndio, nom nos terá passado despercebida a circunstáncia de aqueles utilizarem de forma constante, invariável, a palavra galega lapa para denotar as massas gasosas incandescentes que surgem na combustom. De facto, este proceder designativo dos meios de comunicaçom públicos ­—que, como veremos a seguir, além de conspícuo, se revela lamentável— tamém o mostram, sem dúvida por simpatia acrítica com o exemplo da RG e da TVG, os redatores de diversos outros meios galegos, mas, felizmente, nom, ou polo menos nom de maneira constante, segundo verificamos ultimamente, os redatores do Sermos Galiza. Por que dizemos que designar as «línguas de lume» em galego, nos meios da comunicaçom social, com a voz lapa é surpreendente e deplorável?

A voz latina que designa as «línguas de lume», flamma, transforma-se em galego-português no substantivo patrimonial chama, o qual se abona pola primeira vez no século XIII. Desde entom, esta voz galego-portuguesa conserva plenamente a sua forma e a sua funçom nos ámbitos lusitano e brasileiro da nossa língua, mas, na Galiza, por causa da persistente e intensa interferência pós-medieval do castelhano, e por causa do uso relativamente restrito de chama e da sua grande semelhança com a correspondente palavra castelhana, durante o século XX ela já surge, em larga medida, substituída na fala polo castelhanismo *llama, se bem que, como veremos, tal nom tenha determinado entre nós a completa erradicaçom de chama da língua espontánea contemporánea, nem, muito menos, da nossa literatura recente. Por outro lado, nalgumhas regions da Galiza, com o mesmo significado do substantivo chama, ocorre a voz lapa ou variantes próximas, de modo que a concorrência em território galego dos sinónimos, perfeitos e reciprocamente excludentes, chama e lapa representa um dos numerosíssimos casos de variaçom geográfica sem padronizaçom do nosso léxico a que agora devemos fazer frente para configurarmos um galego culto, supradialetal.

Toda a pessoa interessada no galego e conhecedora do que umha língua de cultura é sabe que a Real Academia Galega se mostra hoje incompetente para constituir o galego em verdadeira língua de cultura, o que se evidencia, entre outros muitos aspetos, na sua freqüente inibiçom ou intervençom despropositada em relaçom ao fenómeno degradativo da variaçom geográfica sem padronizaçom. Assim, se a RAG, incompreensivelmente, num caso paradigmático, desiste de indicar, dentre os sinónimos geográficos fiestra, janela e ventá (este, provável castelhanismo), qual deve ser considerado supradialetal em galego e, portanto, integrante do modelo formal da língua —apesar de que a voz janela se revela de indiscutível autoctonia e, por ter sido já selecionada como supradialetal nas variedades lusitana e brasileira da língua, dotada de um peso demográfico próximo aos 200 milhons de pessoas!—, ela fai o mesmo, infelizmente, como em tantas outras ocasions, no caso de chama ~ lapa, pois na última ediçom (internética) do seu dicionário, a RAG inclui as duas vozes, sem declarar qual cabe considerar supradialetal, e qual dialetal ou regional (v. DRAG s.v. “chama”, “3lapa”). A indefiniçom da RAG no caso de variaçom geográfica chama ~ lapa, como em tantos outros, é verdadeiramente incompreensível e revoltante, porque todos os argumentos de peso som a favor de chama, e principalmente estes dous: a) a forma galega chama, e nom lapa ‘chama’, é a comum com o lusitano e com o brasileiro (supradialetais), o que implica para chama um peso demográfico de cerca de 200 milhons de pessoas (que utilizam no mundo algumha variedade do galego) e umha força cultural incomensuravelmente maior que a de lapa ‘chama’ (por exemplo, todos os textos compostos em galego-português que tratam hoje sobre a físico-química da chama [luso-brasileiros, naturalmente!] utilizam o termo chama, mas nom lapa; só a voz supradialetal chama, e nom lapa, apresenta produtividade terminológica, polo que só encontraremos informaçom em galego-português sobre um dispositivo técnico de segurança [numha enciclopédia ou catálogo] sob o rótulo abafa-chamas, mas nunca sob *abafa-lapas!; para averiguarmos, a partir do galego, como se di ‘chama’ em inglês, ou em alemám, ou em russo, estám hoje ao nosso dispor diversos dicionários bilingues de qualidade profissional [editados em Portugal e no Brasil, naturalmente], mas a correspondente consulta só a poderemos fazer através da entrada chama, e nunca através de lapa!); b) o substantivo chama revela-se monossémico, mas a voz lapa é polissémica e, para a maioria das pessoas, designa em galego, primária e principalmente, um conjunto de espécies de moluscos gastrópodes marinhos, habitantes das rochas litorais da Galiza, que os zoólogos adscrevem, entre outras, às famílias Patelídeos e Fissurelídeos (e, por metáfora, tamém designa umha pessoa desagradável de que é difícil desprender-se!).

Observe-se que estas duas razons de peso em favor da seleçom de chama como forma supradialetal, tamém, na Galiza nom ficam desvirtuadas polo facto de os registos de chama no galego espontáneo contemporáneo serem, devido à sua generalizada substituiçom polo castelhanismo *llama, muito escassos (se nom, mesmo, marginais[1]), já que chama, e nom lapa, representa a forma historicamente preponderante tamém na Galiza, como indicia a sua ocorrência preferente na literatura galega contemporánea (o TILGa regista 551 ocorrências do substantivo chama [em 221 obras], frente a só 252 ocorrências de lapa ‘chama’ [em 112 obras]) e, sobretodo, como testemunham os seus derivados comuns chamuscar, chamusco, chamiço, chamejar e chamejante (estes últimos, flanqueados polos cultismos flamejar e flamejante), e, mesmo, a sua progénie de termos populares, registados no galego espontáneo contemporáreo, chamadeira e chamadoiro, que denotam um componente do forno de pam[2].

Enfim, à vista desta incompreensível e lesiva inibiçom da Real Academia Galega, e da teimosa e injustificada exclusom do substantivo chama —assaz rechamante— por parte dos assessores lingüísticos da rádio e da televisom galegas, aqui erigidos em ousados (e desafortunados) orientadores do idioma, bem se pode dizer aquilo de ser «pior a emenda que o soneto». Umha vez que, como vimos, os locutores da RG e da TVG identificam certos frios e lánguidos gastrópodes marinhos, as lapas do galego culto, com ardentes emanaçons ígneas, agora só nos cabe esperar que, polo menos, eles nom se atrevam tamém a alcunhar umha arma mortífera e abrasadora com o improvável nome de lança-lapas![3]

Notas:

[1] No Dicionario de Dicionarios compilado polo ILG, chama surge em vários dicionários galegos que registam os falares espontáneos, mas nos repositórios lexicográficos mais recentes, em geral, apenas sob a forma castelhana *llama. A esse respeito, a única exceçom é constituída polas compilaçons de Aníbal Outeiro e de Elígio Ribas Quintas (Frampas III), as quais, significativamente, consignam o vocábulo chamas como designando umha peça do forno de pam. (Note-se que, em qualquer caso, o DRAG, ainda que o nom priorize sobre lapa, si regista o substantivo chama).

[2] Se calhar, voz aparentada com lapa ‘chama’ é labareda ‘chama grande’ (= cast. llamarada), voz galega, esta, que, de harmonia com o luso-brasileiro, si deve considerar-se supradialetal (e até científica: em astronomia, por exemplo, fala-se das labaredas do Sol).

[3] Nem sequer os estultos lexicógrafos da RAG se atrevem a chamar *lança-lapas ao lança-chamas: apesar de nom declararem chama supradialetal, nem lapa dialetal, o seu dicionário apenas regista (ainda bem!) a soluçom lanzachamas!

Última modificação emDomingo, 03 Dezembro 2017 23:16
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